Património Religioso

Também no ciclo da vida privada, do nascimento à morte, a Igreja estava pressente, pelo menos nos principais momentos: batismo, casamento e enterro.

Para além de um mosteiro que desapareceu ainda antes de ter sido concluído e de que se desconhece a localização, Santar assistiu ao levantar de outros templos, quer públicos quer privados que ainda hoje integram o património desta vila histórica.

Igreja de S. Pedro ou Matriz


Matriz desta paróquia tem um dos mais antigos oragos portugueses, S. Pedro. O primitivo edifício remonta ao século XII tendo sido, contudo, profundamente reformulado no século XVI.

Da origem medieval ficou a memória inscrita nos arcos quebrados - característicos do gótico - um portal sóbrio e o óculo da fachada principal.

A restruturação do templo deverá ter ocorrido no final do século XVI, como se infere da inscrição gravada num dos silhares da igreja «Era abade Simão Rº 1584».

Em 1675, o bispo de Viseu, D. João de Melo enviava para Roma uma relação das igrejas do seu bispado. Nela escrever-se-ia: «Igreja de Assentar, invocação de São Pedro Apóstolo, abadia da presentação ordinária unida aos religiosos de São Marcos de junto a Coimbra da Ordem de S. Jerónimo. Tem Sacrário, dois altares colaterais, invocações de Nª Sª do Rosário e S. Sebastião. Tem cura anual, sacerdotes quinze, pessoas maiores quinhentos e cinco, menores quarenta e oito, ermidas duas, casa da Misericórdia uma.»

Construída em granito, tem planta simplificada com uma única nave. Junto à entrada, do lado do Evangelho, encontra-se o batistério. Mais à frente, do mesmo lado, uma capela instituída em 1676, dedicada a S. Miguel Arcanjo, também conhecida pela capela das Almas. Uma inscrição elucida-nos sobre a sua fundação «ESTA CAPELLA MANDOU FAZER MANUEL DE ARAVYO PONCES E SVA MULHER Mº LOPEZ E SERVESSE COM 30 MISAS E HUM OFFº DE 4 PADRES PELLAS SUAS ALMAS TODOS OS ANNOS. ANNO DE 1680». Teria tido um retábulo maneirista, que cobriria integralmente a parede fundeira, do qual só sobreviveu a moldura. É muito plausível que este enquadrasse uma pintura, do próprio Manuel Araujo Ponces - reconhecido pintor que trabalhou nesta região e que residiu em Santar e Viseu – cujo tema seria, porventura, o Julgamento das Almas pelo Anjo São Miguel.

Pela escritura do contrato assinado, em 1676, com o mestre-de-obras visiense Manuel Álvares, sabe-se que a capela deveria ser levantada «dentro da igreja de São Pedro de Assantar, para a parte do Norte, defronte da porta travessa» e em tudo semelhante à que existia nos claustros da Sé de Viseu dedicada a Santo António.

O santo lisboeta acabaria também por ter a sua capela na Matriz de Santar. Localizada à direita de quem entra preserva um retábulo barroco provavelmente executado por volta de 1680. No lugar central, uma imagem do taumaturgo, é enquadrada por uma moldura arcada de talha dourada à volta da qual se podem ver tábuas pintadas, delimitadas por frisos de talha ornada, que evocam os milagres do santo: Pregação aos Peixes e o Salvamento do Pai (direita); Reconstituição da Perna Decepada e o Dom da Bilocação (esquerda). No tímpano do retábulo, a rematá-lo, uma outra pintura, representa o Milagre do Jumento.

Do designado barroco nacional (segunda metade do século XVII) é, também o retábulo da capela-mor. É um dos mais belos exemplares deste período do concelho de Nelas. É provável que tenha sido executado na viragem para o século XVIII. Posteriormente, teria sido acrescentado, em altura, quando se recobriu a abobada da cobertura com trinta e cinco caixotões nos quais estão retratados os Apóstolos e outras figuras da Igreja.

Sobre este retábulo escreveram os investigadores Maria de Fátima Eusébio e Jorge Adolfo M. Marques «Os flancos ostentam colunas pseudo-salomonicas, enlaçadas por ramos de videira, cachos de uvas, flores e aves de Fénix, que se prolongam, por cima do entablamento, em arquivoltas torsas, guarnecidas com pâmpanos e flores, unidas por três segmentos radiais; o espaço central é ocupado por ampla tribuna, que sobe acima do entablamento com forma de arco, orlada por uma renda de folhas, no seio da qual se resguarda o trono, composto por três degraus. Nos intercolúnios tem, sobre peanhas compostas por um leque de folhas e uma cinta de flores, duas imagens, a do padroeiro da igreja, São Pedro, no lado esquerdo e a de S. João Baptista, no lado direito».

Na tribuna central, emoldurado por caixotões profusamente decorados e sobre o sacrário, um magnifico Cristo Crucificado do século XV.

Do barroco joanino, um pouco posterior ao chamado nacional, são os altares colaterais e o revestimento, em talha do arco do cruzeiro. No altar da direita, um destaque para uma imagem do século XVIII de S. Sebastião em madeira policroma.  

Da reestruturação seiscentista da igreja é, ainda, o púlpito de pedra facetado assente em mísula cónica.

Desde sempre, as comunidades rurais entrelaçaram a sua vida com o culto do sagrado. Assim, desde os primórdios da nacionalidade, o território nacional, tanto a norte como a sul, foi sendo pontuado por igrejas e ermidas. Foi nestes lugares e na religiosidade que, ao longo dos séculos, o povo rural procurou consolo contra a dureza da vida e contra uma Natureza que dava o pão, mas também a fome. Não é por acaso, que ainda hoje, em algumas regiões, de que Santar é um dos exemplos, os ciclos agrícolas andem de mãos dadas com festividades religiosas.

Igreja da Misericórdia

Em 1632, no final do período filipino, era fundada, em Santar, por iniciativa de D. Lopo da Cunha, a Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia visando o exercício caritativo de assistência à comunidade.

Pouco depois, o seu fundador, senhor da poderosa Casa dos Cunhas, desanexava um terreno à sua Quinta do Casal Bom para que aí fosse construído o templo da nova irmandade. Para assegurar o seu futuro e bom funcionamento vinculava-lhe um legado perpétuo. Contudo, a extinção dos morgados, em maio de 1863, faria desaparecer o “vínculo” que até aí não permitia a alienação ou a partilha das propriedades “vinculadas”.

Para a posteridade ficaria gravado no lintel do portal da igreja o nome do seu benfeitor «DOM LOPO DA CUNHA MANDOV FAZER ESTA MIS dia ANNO D 1637».

Três anos depois do início da construção, Portugal sublevava-se contra a ocupação espanhola. Um golpe palaciano depunha a vice-rainha, a duquesa de Mântua, defenestrava Miguel de Vasconcelos e alçava ao trono o duque de Bragança, que passaria a designar-se D. João IV. Era o início da dinastia de Bragança e a última que Portugal conheceria.



A recuperação da independência não seria pacífica e a guerra com Castela duraria vinte e sete anos. D. Lopo da Cunha manter-se-ia fiel ao rei espanhol, chegando a estar envolvido numa conspiração contra o novo monarca português. Pagaria cara a sua traição à causa nacional. Obrigado a fugir para Espanha seria desapossado de todos os seus bens em terras lusas desaparecendo, assim a sua imponente casa em Santar da qual, apenas as ruínas chegaram até nós.

Quanto à igreja que deixara iniciada, por ser uma obra pia, continuou o seu caminho autónomo, concluindo-se anos mais tarde.

De traçado maneirista, este templo é de planta retangular com uma só nave separada da capela-mor por um arco triunfal. Em anexo seriam construídas a sacristia, a farmácia e a Casa do Despacho.

Como é natural, o edifício foi sofrendo, ao longo dos séculos várias transformações, umas provocadas pela alteração do gosto dominante, outras por necessidades cultuais. Da reformulação da fachada principal, nos dá conta um documento com as deliberações, em 1724, de uma reunião da Mesa: «que as duas frestas ou postiguos que estão no frontespicio se tapassem de pedra e se abrissem no mesmo frontespicio, junto ao cimo, duas janelas rasgadas com huma imagem de Nossa senhora da Piedade, como nas mais misericórdias há costume, para maior devoção, hornato e grandeza da Santa Caza.».

Seria nessa mesma assembleia que seria decidido a execução de um novo altar «na porta que ia para a Caza do Despacho, feito um arco na correspondência do da capela de Santo António».

Durante estes trabalhos alguns retábulos seriam substituídos. Dos primitivos, do período joanino, só um chegou, embora alterado, aos nossos dias. Encontra-se na parede direita do templo, no interior de um arco em granito. Não é seguro que todas as figuras, em alto-relevo, do espaço central do retábulo- o Pai Eterno, a Virgem e S. João, S. Miguel Arcanjo e S. Lourenço – lhe pertencessem sendo possível que, algumas tivessem vindo de outro lugar. O mesmo deverá ter acontecido ao Cristo Crucificado, colocado ao centro, e que é visivelmente desproporcionado em relação ao conjunto.

Quanto ao retábulo da capela-mor, deverá ter sido iniciado por volta de 1650. No entanto, só seria concluído mais de meio século depois. Os painéis do remate e da predela são da autoria de Manuel d’Araujo Ponces e estão datados de 1675 e 1679.

Entre a representação de Santo António, à direita e de Santa Catarina à esquerda, está uma imagem de roca de Nossa Senhora da Soledade, também chamada das Dores ou da Piedade.

Na viragem para o século XX, seria incumbido o mestre Cristóvão Rodrigues Loureiro de pintar a branco e dourado todos os retábulos da igreja.

Por último, e para terminar a descrição do interior da igreja refira-se que a existência de um coro-alto, do teto da nave em masseira e do arco de triunfo, de volta perfeita, assente em pilastras toscanas. Este é ladeado por dois retábulos laterais: Santa Eufémia (esquerda) e Nª Sª da Piedade (direita).

As paredes da nave são decoradas por silhares de azulejos de estampilha oitocentista de padrão fitomórfico.

Voltando às obras iniciadas em 1724. Estas prolongar-se-iam até à década de 1740 sendo o projeto inicial para a fachada alterado. Para tanto, é possível que tenha contribuído as obras entretanto feitas no frontispício da igreja da Misericórdia de Mangualde já que a mesma fórmula será repetida em Santar: um janelão central enquadrado por dois nichos sob os quais, ao nível da porta, se rasgam outras duas janelas.

Em 1740, a Mesa deliberava também a construção de uma magnífica varanda alpendrada, suportada por colunas de granito com balaústres torneados que se desenvolveria «desde o cunhal da ante-caza do despacho até o da igreja, com dois arcos e porta para o coro». Do lado oposto à varanda seria ainda construída uma torre sineira. Esta, viria a ser intervencionada por diversas vezes, a última das quais já no século XIX. De planta quadrangular é rematada por quatro ventanas (duas são vazadas), limitadas por pilastras de granito unidas por arcos. O conjunto é coroado por um elegante coruchéu bolboso com quatro fogaréus a ornar os ângulos.

O adro da igreja – diminuído pela ampliação setecentista da Casa dos Condes de Santar e Magalhães, que lhe está fronteira – é sombreado por um grupo de árvores ancestrais que constituem mais um dos jardins históricos desta vila beirã.

Capela da Casa dos Condes de Santar e Magalhães

Em 1678, António Pais do Amaral, senhor da casa dos Condes de Santar mandava levantar uma capela com a invocação de S. Francisco de Assis na qual se faria sepultar, em frente ao altar. É uma das capelas privadas mais antigas do concelho de Nelas. Na parede, do lado da Epístola, uma inscrição perpetua o número de missas anuais que deveriam ser rezadas não só pela alma do fundador, mas também pelas dos seus progenitores.

A capela-mor, separada da nave por um arco triunfal decorado com pinturas marmoreadas a verde e rosa e gradeamento setecentista, possui um magnífico retábulo de talha dourada dividido em três tramos verticais. No da esquerda, uma pintura representa S. Domingos, enquanto que no da direita se pode ver Santo António. Estas tábuas são, como referiu Maria de Fátima Eusébio e Jorge Adolfo Marques, emolduradas por «quartelões, com enrolamentos, caneluras e, ao meio, grandes ramos de acantos com forma côncava, junto aos quais se posicionam pequenas imagens». Na parte central do retábulo, uma imagem seiscentista de S. Francisco de Assis. A ladeá-la, em peanhas adossadas aos painéis laterais, as imagens de S. Martinho e de S. Pedro Apóstolo. Num registo central superior, e em jeito de remate, uma pintura representando a Sagrada Família.

O teto, de abóbada de berço, é pintado em tons de rosa tendo ao centro, emoldurando a representação do Espírito Santo, uma exuberante composição. Uma porta, à direita dá acesso à sacristia.

A cobertura da nave é decorada com caixotões marmoreados, em tons de verde e rosa tendo ao centro pintado um ostensório. Na parede do lado do Evangelho, um belo grupo escultórico representando Santa Ana, a Virgem e o Menino. A capela possui coro alto, de acesso privado pelo interior da casa, com decorações parietais que envolvem o óculo cónico de moldura de granito. Nas paredes, tanto da nave como do altar-mor, o lambril é de azulejos de finais do século XVII.

Pelo exterior, a sobriedade da fachada é apenas cortada por um portal de granito de ombreiras e verga chanfradas encimado pelas armas da casa sobre as quais se abre, ainda, o já citado óculo tamisado por vidros coloridos. A rematar o telhado, dois pináculos piramidais coroados por esferas. Sobre o da sacristia, um pequeno campanário sobrepujado por uma cruz de pedra é também rematado por dois pináculos idênticos.

Capela Nossa Senhora da Piedade

Em 1728, e depois de uma estada atribulada em terras brasileiras, o padre Manuel de Abreu Castelo Branco, mandava levantar, em cumprimento de uma promessa feita durante essa viagem, junto à sua casa em Santar uma capela com a invocação de Nossa Senhora da Piedade. Para lhe garantir o futuro vinculou-lhe várias propriedades e estipulou-lhe rígidas normas de administração. O abade Homem Rosada - que a visitaria, já acabada, para averiguar se lhe poderia ser concedida licença para celebrar missa - iria descrevê-la assim «(…) a achei acabada de paredes, coberta de telha e seu guarda pó, caiada com altar e seu retábulo decentemente feito, com a imagem de Nossa Senhora da Piedade pintada a encarnado, com toda a decência, tudo feito. E o altar se acha com o seu frontal vermelho e branco revestido, e com sua toalha de renda (…) tudo com decência e asseio necessário para uso do altar e celebração do divino sacrifício, achando que está decentemente ornada para nela se celebrar.».

O nome de Nossa Senhora da Piedade acabaria por se estender à casa solarenga setecentista, que pertencera também ao Reverendo Manuel de Abreu Castelo Branco. Tudo indica que o núcleo primitivo da casa se restringiria ao corpo do lado direito da capela sendo o outro, do lado direito, mais imponente, construído numa época mais tardia. Neste último destaca-se a bonita escadaria e corrimão de granito que conduzem ao alpendre, sustentado por belas colunas torsas, e que antecede a entrada principal deste solar.

A capela, de planta retangular, tem a fachada praticamente toda ocupada pelo largo portal flanqueado por pilastras toscanas sobre o qual se rasga uma elegante janela decorada com volutas laterais. No seu lintel de pedra da entrada, e para memória futura, o nome do fundador e o ano da construção: «ESTACAPELA MANDOU FAZER O RVO PE/ MANOEL DE ABREU CASTEL BRANCO/ NA. DE 1728».

Apesar da sua pequena dimensão, este templo é, no seu interior, uma verdadeira joia da decoração barroca. Ao retábulo primitivo - que ocuparia apenas, a parte central do altar-mor, e onde se aninhava a imagem de Nossa Senhora da Piedade - teriam sido acrescentadas, mais tarde, as ilhargas e o remate acabando por ficar toda a parede fundeira recoberta de talha dourada, onde, numa profusão imaginativa se misturam enrolamentos, flores, pássaros, conchas, motivos vegetalistas, querubins, etc. Se, no conjunto central a policromia se restringe aos pássaros e aos querubins, nas ilhargas a situação quase se inverte: fundos marmoreados sendo o ouro reservado aos elementos decorativos. No teto, caixotões pintados com motivos hagiográficos. Nos alçados laterais, oito painéis relembram a Paixão de Cristo.

Cruzeiro do Largo da Igreja de S. Pedro

Demarcando o Largo da Igreja encontra-se um cruzeiro, do século XVIII, em tudo semelhante ao existente no Terreiro do Paço dos Cunhas, variando a forma nos degraus. Enquanto no cruzeiro do Paço dos Cunhas são redondos estes são quadrados, mostrando a variedade e diferença entre as encomendas e período de conceção. 

Não deixa de chamar a atenção a orientação da cruz cimeira que, tal como a anterior também nesta o verso e anverso se orientam para sul e para o norte. 

Os cruzeiros eram marcos de fé que, normalmente, se colocavam para sacralizar os eixos viários, pedindo ao caminheiro que, antes de entrar nas localidades, se penitenciassem dos erros e pecados. Estes marcos de fé procuravam também proteger os povoados das pestes e outras pragas que chegavam, precisamente, pelos arruamentos, seguindo a sua colocação os pontos cardinais. 

Passos da Via Sacra

Deambulando pelo centro histórico de Santar somos contagiados pela existência de elementos singulares que caraterizam o povoado, 
 
com forte apetência para a valorização patrimonial, como os Passos da Via Sacra. 
Durante o período pascal, a vila de Santar vive intensamente a paixão de Cristo, com as suas procissões de 5.ª feira Santa e ruas engalanadas, com colchas e bandeiras assinalando o martírio de Jesus. 
 
Os Sete Passos da Via Sacra, ainda se encontram na totalidade, embora as tábuas pintadas com as referências ao ciclo do martírio tenham já desaparecido, sendo substituídas por uma cruz pintada, mas que não deixam de recordar o momento da Paixão.